sábado, 20 de novembro de 2010

Contando o passado. Pt.2

Continuemos enquanto estas velhas mãos ainda são capazes de escrever. Digo com convicção que a velhice é um fardo. Talvez não seja para aqueles que conseguiram da vida valores que não se gastariam com o tempo, como honestidade, paz de espírito e essas baboseiras que só fazem sentido a quem as tem; talvez seja até aproveitável para aqueles que galgaram a pessoa amada, não fazer nada junto de quem se ama, ao que me recordo, é melhor do que qualquer atividade. Pois bem, de valores como esses, sou vazio e o amor não alcancei. Creio portanto que só me resta a reclusão e os suplícios de terminar sozinho essa jornada que nunca me fez sentido, afinal, nunca a percorri ao seu lado.
A segunda das mulheres que me marcaram foi Isabela. A conheci já na época de faculdade.
Cursava o quarto período de administração quando chega à sala uma aluna transferida. De cara, não nego, me atrai por suas formas. A essa época todo homem usa menos a razão que o instinto, e Isabela tinha todos os requisitos que atraem os instintos: coxas grossas, braços redondos, ventre largo, seios fartos, e se encontrava no auge da forma.
Ocorre que eu começara a freqüentar esse período também transferido, porém um pouco antes. Logo, assim como ela, não tinha ainda muitos contatos. Isso nos aproximou e muito. No tempo de um mês já conversávamos como amigos de infância (conversas essas que eu só experimentara com você), ela gostava de dizer que eu a conhecia melhor do que qualquer outro.
Interessava-me cada vez mais. No começo aproximei-me por suas formas, com o passar do tempo comecei a aproximar-me por suas idéias. Ela lia. Impressionante como sempre achei isso um hábito tão enaltecedor numa mulher, ouso dizer que nenhuma que me fez saber leitora deixou de receber ao menos uma noite de atenção.
Fui com ela a um parque quando conversávamos há uns dois meses. Com ela inclusive que, pela primeira vez, acabei indo naqueles brinquedos que podem nos matar na menor das falhas. Primeira vez... Ultima vez, nunca fui capaz de confiar minha vida a alguém, quanto mais o faria a um suposto engenheiro, que sequer dá as caras? Chame de covardia se quiser. Eu penso nisso como preservação.
Nesse dia, no parque, quando mal havíamos adentrado ela pára, volve-se a mim, levanta a cabeça e me encara sorrindo, como que tendo a certeza de que eu a chamara para lá sabendo do que aconteceria – faça-se justiça, ela tinha razão.
 Seus lábios eram tão macios quanto nunca mais senti iguais. Ela era de fato tão suave, tão aconchegante, tão reconfortante que eu mal podia acreditar no quão comburente se fazia. Aprendi muito, embora nosso tempo juntos tenha sido muito mais curto do que eu previra que seria.
 Como já passado tempo de nossa convivência na turma, eu tinha lá meus ‘amigos’, ou que assim se diziam. Cometi então o erro cujas conseqüências nenhum homem consegue abstrair enquanto não as vive, por isso mesmo que a maioria o comete. Contei-lhes algumas coisas  -que depois aprendi, devem ser contadas somente a nós mesmos - sobre uma de minhas noites com Isabela. Eis que os instintos que recaem sobre os homens na terceira década de vida entram de novo em ação. Um dos ouvintes desejava Isabela, mas não o demonstrava a mim, não o demonstrava a ninguém exceto à própria. O resultado dessa combinação foi que minhas palavras chegaram aos ouvidos que viviam sob aqueles loiro-morenos cabelos ondulados, esses se encarregaram de avisar àqueles olhos castanho-claros que nunca mais me olhassem e àquela boca carnuda que nunca mais se abrisse para emitir qualquer vibração em minha direção.
 Confesso que fiquei triste com esse fim, não por perdê-la, eu não a amava, mas sim por perder sua confiança. Se há algo com o que sempre me preocupei é isso: a confiança que as pessoas têm em mim. Não sei por que, talvez por achar que disso adviria alguma vantagem, talvez por poder dizer no fim dos meus dias “ninguém se ressente de mim”. Essa razão realmente nunca alcancei. Ficou o remorso por saber que eu talvez não tivesse tantas virtudes quanto imaginava ter.
 Isabela me marcou por isso, ria como uma donzela romântica, e amava como a mais promiscua das meretrizes. Fiquei feliz em conhecer uma mulher que pudesse ser classificada como barroca, mesmo que isso me tenha custado várias indagações sobre meu próprio caráter, afinal quem se relaciona com pessoas assim? Melhor deixar claro que isto me passou pela cabeça àquela época, hoje sei que todos se relacionam com pessoas assim.
 Talvez ela não fosse tão inteligente quanto as leituras que fazia indicavam que seria, talvez ela fosse mais amorosa do que o tempo que tive me revelou, mas uma certeza eu tenho, é de mulheres como ela que nascem as dúvidas de todos os jovens, foi de alguma mulher como ela que nasceu o mito da incompreensão do universo feminino. Mas é tão simples, ela não nem boa nem má, ela apenas existe e não se mina a ser feliz, mesmo que isso custe alguns boatos, mesmo que isso custe uma fama indesejada, ela sempre fez o que quis. É em mulheres como ela que deveriam se espelhar os que buscam coragem.
 Nunca mais ouvi falar dela depois que deixou a faculdade.