sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lembrando um pouco

Devo agora deixar de falar sobre os amores que se foram. Devo falar do amor que ainda há, desenganado pelo tempo, mas sem a opção de cessar. Devo falar de nós dois.
Como consegui crescer junto de você e só ver nascer sentimentos quando você já estava apaixonada demais por outro homem, não sei. Tive tantas oportunidades de me aproximar quando te achava mais uma que não me recordo delas. Tive tão poucas chances de estar a seu lado depois de lhe estar amando, que sonho todas as noites com elas.
Recorda-se de quando fomos à praia? Litoral norte de São Paulo. Seu biquíni era azul. Tínhamos 12 anos e eu só me lembro de ter falado com você pra rebater as críticas que me veio fazer de minha música (a bem da verdade, de minha tentativa de música). Você me disse que eu cantava rápido demais e que a canção não era assim. Mas afinal o que poderia saber aquela menininha de ego inflado sobre tocar violão? Você foi embora antes de mim, seus tios tinham de trabalhar e a levaram. Não senti a menor falta.
Houve tantas vezes em que nos encontramos na casa de nossos tios que não posso relatá-las todas. Mas te faço lembrar de como eu já te achava linda, mesmo sem ainda te amar. Sempre que subia as escadas eu parava para olhar, como isso te deixava irritada era cômico e mais tarde, foi apaixonante. Dormimos um ao lado do outro também algumas vezes. Óbvio que não estávamos sós, mas ainda assim, era ao seu lado que eu cerrava os olhos. Meu Deus, se há arrependimento nessa vida que faz doer é aquele que se refere ao que deixamos de fazer, nunca ao que fizemos. Não fazer é morrer com a dúvida de como tudo poderia ter mudado; fazer e querer voltar atrás é, ao menos, saber do que se arrepende. Lembro-me de uma noite na qual nós dois conversamos um pouco mais de perto. Ficamos, pelo que me diz a memória, até as 5 da manhã trocando palavras inúteis. Não falamos de nada importante e quanto desejei que todas as noites da minha vida fossem assim, não conheço palavras para exprimir.
Outra coisa que está viva em meu pensamento é como eu lhe aporrinhava por causa de sua voz. Concordemos que ela era realmente estridente quando você ainda era menina. Concordemos que se fez muito bela, exclusivamente sua, quando virou mulher. Eu passei muitas noites desejando que essa voz me dissesse algo. Fosse ao telefone, fosse deitada a meu lado. O importante era que essa voz se preocupasse o suficiente comigo para que se gastasse a proferir-me qualquer som. Esse sonho foi distante.
Trocamos algumas cartas na adolescência, mas você já namorava seu amor de infância, o amor que você tomou para a vida. O resultado dessa combinação foi que quando eu subentendi em palavras o que realmente sentia por você, você recuou. A carta de resposta simplesmente não veio. Passaram meses até que voltássemos a conversar. Até que voltamos. Voltamos mas por cima, nunca havia tempo suficiente, não havia espaço suficiente para dois grandes amigos falarem tudo que tem a falar em caixas de mensagem de celulares. Não é assim que as relações deveriam acontecer. Deveríamos nos encontrar todos os dias e falar de tudo que quiséssemos, ao invés disso, tudo guardávamos e ficávamos no mais trivial. Esse é outro arrependimento.
Nunca tive a coragem de procurar-te em casa, acho que por saber que nisso haveria a possibilidade de um não definitivo, de um não que me diria para desistir do único amor que me interessava, da única força que me movia numa caminhada para lugar algum, numa caminhada que só faria sentido se um dia, viesse a lhe interessar, e lhe trouxesse para junto de mim. Essa negativa eu não aguentaria escutar, seria o fim. De medo do fim, chego finalmente a ele, cheio de coisas que deixei de fazer, cheio de amor que nunca lhe consegui dar.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Contando o passado. Pt.3

 Cabe agora contar-lhe sobre Giuliana.
Esta linda mulher cabia exatamente no molde, que eu fizera aos 28 anos, da forma feminina perfeita. Tanto psicológica quanto fisicamente. Ela não era mais, nem menos.
A conheci graças a um primo meu que estudava com ela, Cielo. Eu costumava conversar longas conversas com Cielo sobre relacionamentos amorosos, nós pensávamos de maneiras muito parecidas. Ambos meio desiludidos, ambos ainda esperançosos.
Ocorre que numa dessas conversas Cielo, que cursava sua faculdade, me revelou estar apaixonado por uma colega de classe. Não, não lembrei do meu caso com Isabela, àquilo não se poderia chamar sequer paixão. Pois bem, nossas conversas corriam: ele me contava sobre como ela tinha o riso fácil; sobre como, mesmo em maus dias, seus olhos iluminavam tudo a seu redor; principalmente me contava como era simples e prazeroso conversar com aquela menina.
Sim ele a chamava de menina, costume que eu incorporei depois de conhecê-la. Não há como referir-se a tal criatura senão em termos que releguem à inocência, à infantilidade a mesma.
Depois de uns seis meses ouvindo ele falar sobre as virtudes de sua amada - que, diga-se de passagem, não dava sinal de interesse por ele – eu finalmente conversei com ela. Cielo acabou nos colocando na mesma janela de conversação na internet. Eis o momento em que pela primeira vez vislumbrei aquele rosto, mesmo que parado numa foto, que me seria tão adorado e por tanto tempo. Gostaria muito de me lembrar de como transcorreu aquela conversa, mas não lembro. Recordo-me apenas do teor puramente humorístico que teve, ela realmente tinha um riso fácil - não que eu pudesse ter absoluta certeza, tratava-se de internet.
Passamos a conversar constantemente, e na maioria das vezes sem o intermédio de Cielo. Apenas Giuliana, eu e seus sorrisos virtuais. Nesse tempo vim a saber que ela possuía um namorado, ou ex-namorado, ela mesma não deixava isso bem claro. Fato era que esse rapaz não a largava e chegou mesmo a me ameaçar – como a maioria das coisas no começo da minha relação com Giuliana – pela internet. Eu estava apenas interessado nela, mas à luz de uma ameaça algo saltou de mim. Aquele moço mal instruído, mal formado, que nascera em berço de ouro, pensava poder me inferir medo no alto de seus músculos inexistentes? Chegou a falar em armas, chegou a dizer que iria atrás de mim onde quer que fosse. Maldito infeliz, se havia um tipo de pessoa que eu conhecia muito bem era o dele: rico desde o nascimento, nunca chegou perto de livro algum e achava mandar no mundo. Mas o que mais me valia saber de seu tipo era justamente que nada faria. Se, por algum momento, eu achasse o risco realmente existia, talvez tivesse me afastado dela. Mas não, eu não me retrairia perante um pandego qualquer.
Pelo visto do que ocorreu, acho que Giuliana não pensava da mesma forma que eu.
- Não acho que vamos continuar conversando.
- ...
- Decidi voltar com o Rafael
(eis o nome do honorável)
- A escolha é sua. Mas diga a ele que se voltar a me procurar, não medirei esforços para que se arrependa e muito.
Desta conversa eu lembro. Eu não fiz essa ameaça realmente querendo que se realizasse, foi só para que ele não pensasse tê-la ganho por medo, sequer sei se chegou a seus ouvidos.
Muito tempo passou, eu não me ocupei a procurá-la, embora eu gostasse dela, não era o suficiente para abrir mão de minha dignidade, logo, não era muito. Num inesperado dia de setembro me vem a notícia, por um amigo que mantínhamos em comum – não era Cielo, eu me afastara um pouco dele, erro que corrigi tempos depois -, Giuliana queria me encontrar.
Cabe aqui dizer que durante todo o desenrolar da primeira parte de minha historia com ela, não havíamos nos visto uma vez sequer. Muito diferentemente desenvolveu-se a segunda parte.
Conversamos por 2 semanas e marcamos um encontro, eu não me lembro de ter ficado tão ansioso em nenhum outro momento da minha vida quanto naquela entrada da pizzaria Dois Irmãos, Guarulhos, São Paulo. Cheguei na praça que ficava defronte ao lugar do encontro e meu estomago pareceu contorcer-se até deixar de existir, minhas mãos ficaram geladas, o mundo pareceu se fechar e pela única fresta que restava eu via a entrada da pizzaria. Confesso que nunca também havia ficado tão surpreso comigo mesmo, impressionante o que um momento pode nos revelar. Aquilo seria amor? Tudo que eu vivera até então pareceu menor. Dói dizer isso, mas até mesmo você me saiu da lembrança.
Pois bem, entrei. Não houve surpresas além da incrível resistência que Giuliana conseguia fazer. Ela queria me beijar, ela se aproximava, quando de repente virava-se e ria-se. O notável é que eu ria junto e sinceramente. Para ambos aquilo estava tão consumado que não importava muito o beijo, já nos havíamos unido de alguma maneira. Percebi nessa noite que eu a conhecia melhor do que supunha, tudo me revelara nas conversas virtuais era tudo que ela era, e percebi também que enorme era a alegria que me traziam aqueles olhos que sorriam mesmo calados.
Creio que posso defini-la em três palavras: inocente, meiga e feliz. Extremamente feliz.
Embarcamos então em num relacionamento mais sério. Passados 2 meses chegou a formatura de Giuliana, cujas formalidades da entrega dos diplomas não contariam com Cielo por pura falta de interesse deste nas formalidades que cercavam a cerimônia. Eu já havia me reaproximado dele. Bom Cielo, revelou-se o melhor dos amigos, tanto para mim quanto para Giuliana. Ele foi comigo à festa. Puxei Giuliana para fora do salão, havia lá um largo campo verde com um arranjo de tendas, cadeiras e flores que creio eu serviria para algum casamento no dia seguinte. Independente do objetivo com que foi criado, o cenário era lindo. No céu a lua reluzia mais que o normal graças a ausência de estrelas, refletores sobre aquele gramado rodeavam-nos, mas sua luz não chegava ao lugar onde estávamos, cobertos da luz da lua e fora do alcance dos refletores encontramos um ponto cego. Ela em seu vestido branco que parava nos joelhos olhava a cena estupefata, e eu a olhava da mesma maneira. Aproveitei aquele momento, tirei do bolso o par de anéis que havia comprado e lhe mostrei, antes de qualquer palavra minha veio a resposta: sim.
Não, não era para noivado. Sim ela sabia que era para namoro. Mas convém deixar a nota de que se algum dia houve um momento perfeito, irrepreensível para um homem pedir a mão de uma mulher foi aquele.  
Acho que não seria interessante narrar os pormenores de cada encontro que tive com ela, tanto por você já conhecer alguns como por não lhe afetar em nada vir a saber dos outros. Deixarei aqui somente o que acho relevante dessa relação depois do dia do pedido. O dia da separação.
Como que sem motivo aparente, após parcos 5 meses de namoro, Giuliana afastou-se de mim. Não o corpo, mas a alma. Parecia que ela não me confiava mais suas aflições, seus problemas em casa talvez fossem os responsáveis; ela não buscava mais me encontrar como fazia anteriormente, talvez tivesse se cansado de secar seu mar de alegria no deserto de infelicidade que sempre me acompanhou na vida; ela não me olhava mais nos olhos. Eu não sabia bem os motivos, tudo que fazia era especular, mas o fato era visível: estávamos distantes. Então que pela primeira vez chorei por uma separação. Chorei antes de me separar, as lágrimas me vieram aos olhos no momento em que percebi que não havia mais volta. Aquele capítulo que fora tão bom deveria então acabar para que ambos os protagonistas seguissem seus caminhos e estes, possivelmente, nunca haveriam de se cruzar. Foi o que ocorreu.
Olhando de hoje, esse afastamento de Giuliana talvez tenha tido uma boa razão de ser: meu ciúme. Deus, como eu era ciumento. A queria como uma jóia e a tratava como tal, quem chegasse perto devia tomar muito cuidado pois o menor dos riscos no meu cristal, mesmo que causado por um simples olhar me deixava enfurecido. É, provavelmente foi minha a culpa da separação... Dói olhar para o passado e ver que poderia ter acertado em coisas tão simples que me teriam trazido tanta felicidade e nas quais errei por motivos mesquinhos. Que importava outros homens falarem com Giuliana se ela continuaria sendo minha? Que importava ela não me avisar de seus passos, se todos acabariam por conduzi-la a mim? Que importava minhas duvidas, se ela tinha certeza? Realmente, uma das coisas que mais me arrependo de ter destruído em vida foi a certeza de Giuliana.
Disse-lhe o último adeus assim como lhe disse o primeiro olá, pela internet. Ela retribuiu a gentileza e pareceu concordar que deveríamos mesmo seguir estradas separadas dali em diante. Engraçado como não senti nada quando disse esse adeus, minhas lágrimas haviam secado no choro antecipado e não voltaram a se formar no momento cabal.

sábado, 20 de novembro de 2010

Contando o passado. Pt.2

Continuemos enquanto estas velhas mãos ainda são capazes de escrever. Digo com convicção que a velhice é um fardo. Talvez não seja para aqueles que conseguiram da vida valores que não se gastariam com o tempo, como honestidade, paz de espírito e essas baboseiras que só fazem sentido a quem as tem; talvez seja até aproveitável para aqueles que galgaram a pessoa amada, não fazer nada junto de quem se ama, ao que me recordo, é melhor do que qualquer atividade. Pois bem, de valores como esses, sou vazio e o amor não alcancei. Creio portanto que só me resta a reclusão e os suplícios de terminar sozinho essa jornada que nunca me fez sentido, afinal, nunca a percorri ao seu lado.
A segunda das mulheres que me marcaram foi Isabela. A conheci já na época de faculdade.
Cursava o quarto período de administração quando chega à sala uma aluna transferida. De cara, não nego, me atrai por suas formas. A essa época todo homem usa menos a razão que o instinto, e Isabela tinha todos os requisitos que atraem os instintos: coxas grossas, braços redondos, ventre largo, seios fartos, e se encontrava no auge da forma.
Ocorre que eu começara a freqüentar esse período também transferido, porém um pouco antes. Logo, assim como ela, não tinha ainda muitos contatos. Isso nos aproximou e muito. No tempo de um mês já conversávamos como amigos de infância (conversas essas que eu só experimentara com você), ela gostava de dizer que eu a conhecia melhor do que qualquer outro.
Interessava-me cada vez mais. No começo aproximei-me por suas formas, com o passar do tempo comecei a aproximar-me por suas idéias. Ela lia. Impressionante como sempre achei isso um hábito tão enaltecedor numa mulher, ouso dizer que nenhuma que me fez saber leitora deixou de receber ao menos uma noite de atenção.
Fui com ela a um parque quando conversávamos há uns dois meses. Com ela inclusive que, pela primeira vez, acabei indo naqueles brinquedos que podem nos matar na menor das falhas. Primeira vez... Ultima vez, nunca fui capaz de confiar minha vida a alguém, quanto mais o faria a um suposto engenheiro, que sequer dá as caras? Chame de covardia se quiser. Eu penso nisso como preservação.
Nesse dia, no parque, quando mal havíamos adentrado ela pára, volve-se a mim, levanta a cabeça e me encara sorrindo, como que tendo a certeza de que eu a chamara para lá sabendo do que aconteceria – faça-se justiça, ela tinha razão.
 Seus lábios eram tão macios quanto nunca mais senti iguais. Ela era de fato tão suave, tão aconchegante, tão reconfortante que eu mal podia acreditar no quão comburente se fazia. Aprendi muito, embora nosso tempo juntos tenha sido muito mais curto do que eu previra que seria.
 Como já passado tempo de nossa convivência na turma, eu tinha lá meus ‘amigos’, ou que assim se diziam. Cometi então o erro cujas conseqüências nenhum homem consegue abstrair enquanto não as vive, por isso mesmo que a maioria o comete. Contei-lhes algumas coisas  -que depois aprendi, devem ser contadas somente a nós mesmos - sobre uma de minhas noites com Isabela. Eis que os instintos que recaem sobre os homens na terceira década de vida entram de novo em ação. Um dos ouvintes desejava Isabela, mas não o demonstrava a mim, não o demonstrava a ninguém exceto à própria. O resultado dessa combinação foi que minhas palavras chegaram aos ouvidos que viviam sob aqueles loiro-morenos cabelos ondulados, esses se encarregaram de avisar àqueles olhos castanho-claros que nunca mais me olhassem e àquela boca carnuda que nunca mais se abrisse para emitir qualquer vibração em minha direção.
 Confesso que fiquei triste com esse fim, não por perdê-la, eu não a amava, mas sim por perder sua confiança. Se há algo com o que sempre me preocupei é isso: a confiança que as pessoas têm em mim. Não sei por que, talvez por achar que disso adviria alguma vantagem, talvez por poder dizer no fim dos meus dias “ninguém se ressente de mim”. Essa razão realmente nunca alcancei. Ficou o remorso por saber que eu talvez não tivesse tantas virtudes quanto imaginava ter.
 Isabela me marcou por isso, ria como uma donzela romântica, e amava como a mais promiscua das meretrizes. Fiquei feliz em conhecer uma mulher que pudesse ser classificada como barroca, mesmo que isso me tenha custado várias indagações sobre meu próprio caráter, afinal quem se relaciona com pessoas assim? Melhor deixar claro que isto me passou pela cabeça àquela época, hoje sei que todos se relacionam com pessoas assim.
 Talvez ela não fosse tão inteligente quanto as leituras que fazia indicavam que seria, talvez ela fosse mais amorosa do que o tempo que tive me revelou, mas uma certeza eu tenho, é de mulheres como ela que nascem as dúvidas de todos os jovens, foi de alguma mulher como ela que nasceu o mito da incompreensão do universo feminino. Mas é tão simples, ela não nem boa nem má, ela apenas existe e não se mina a ser feliz, mesmo que isso custe alguns boatos, mesmo que isso custe uma fama indesejada, ela sempre fez o que quis. É em mulheres como ela que deveriam se espelhar os que buscam coragem.
 Nunca mais ouvi falar dela depois que deixou a faculdade.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Contando o passado. Pt.1


Acho porém, que antes dessa narração cabe contar-te como aconteceu tudo em meu coração antes de te conhecer profundamente, ou melhor, antes de me inebriar de ti . Sabendo pelo que já passei, poderá ser segura do que realmente senti, e acreditar mais em minhas palavras.
Tendo em vista que quero lhe contar aquilo que edificou meu modo de sentir, pularei as paixonites infantis, das quais sequer me lembro, delas nada restou.
 Comecemos logo.
A primeira das paixões que houve em mim, assim como a primeira paixão que ocorre em todos, creio eu, foi à primeira vista.
-Como você se chama?
- Camila.
Esta longa conversa se deu numa das excursões que fiz com a minha escola. Quando já na volta da cidade grande. Eu tinha meus 15 anos e ela não menos. Nunca a tinha reparado dentro do prédio em que estudávamos, talvez por me ocupar muito dos esportes, talvez pelo burburinho que cerca alguns a cada sinal de sossego (humildemente, sempre fui um desses), mas, mais provavelmente, não a reparei por não olhar. Muitas coisas sempre estiveram ao nosso lado, mas nunca olhamos para o lado, sempre à frente, sempre à frente... Assim perdemos maravilhas, e ganhamos muito pouco em troca. Enfim, ela eu tive a felicidade de notar.
Voltando à minha ‘primeira vista’. Saiba que a conversa se acabou na primeira resposta, pois o ônibus parou, os professores chamaram e a torrente se descarregou para fora. Mas a semente estava lançada e crescia em meu coração.
Camila nada tinha de alta, assim como nada tinha de imperfeito àquele tempo. Tinha as mais belas maçãs do rosto que já vira eu e junto ao liso loiro de seus cabelos por sobre os ombros deitados carregava um olhar aconchegante e um quê de veludo na voz.
Comecei a me aproximar. Quando a via lendo, eu logo me encostava e perguntava sobre qualquer que fosse o livro, e cabe aqui ressaltar que seu gosto era interessantíssimo, lia Clarice e Paulo Coelho, um a cada semana. O tempo me mostrou porque ela tanto se interessava pelo segundo, mas chegaremos lá. Sim, tinha talvez, as mais belas e suaves feições que pode caber a uma mulher, e confesso que talvez isso me tenha cegado para o resto.
Muito passou, muito conversei, muito ela leu. Um dia enfim, decidiu-se em aceitar meu convite, que já lhe fazia há alguns meses, para sairmos juntos. Encontrei-a de tarde num dos compromissos que a escola nos obrigava, ela foi receptiva como nunca, tomei isso como um sinal. O sinal só fez confundir minha inexperiente auto-confiança. A demorada noite chegou, encontrei-me com 2 amigos e fui à casa dela para lhe buscar, iríamos todos juntos a um bar freqüentado por gente da nossa idade, e em cidades pequenas, esses bares, de raridade que são, se fazem muito freqüentados.
Recorda-me perfeitamente o dobrar daquela esquina na Rua Pimentel, avistei-a de longe, senti-a um imã.
-Como está frio aqui.
-Exatamente por isso que vim.
Depois de sentir orgulho do que tinha falado, me apressei a abraçá-la, no frio não se pode confiar muito.  Caminhamos juntos, deixamos todos irem bem à frente. De mãos dadas, o silêncio falava por nós, por mim ao menos, falava. Passávamos em frente ao teatro quando de súbito ela parou, nossos amigos a esquina dobraram, já chegavam ao bar; nós, parados, olhando-nos. Ela com seus olhos erguidos a fim de encontrar os meus receosos da próxima atitude que viria, me abraçou, mas não aproximou o corpo. Foi então que vi pela primeira vez o que faz uma mulher quando quer dizer sem usar palavras. Aqueles olhos me falaram mais do que qualquer coisa que pudesse sair da sua boca. Sei que fui eu que me mexi a beijá-la, assim como sei que era ela que me controlava. A dimensão da felicidade que senti não posso narrar, nunca se repetiu; não por ter sido o mais amoroso beijo, não por ter sido o melhor, mas sim por ter sido o primeiro, essa sensação só cabe a quem se recorda do seu próprio.
Enfim, tive a melhor das noites que poderia pedir àquele tempo. Tive um final de semana cheio de sonhos, e um final de terça-feira cheio de realidade. Ela não se interessava mais. Sequer me olhava. E foi então que descobri o que era sofrer de paixão. Impressionante a insegurança que um não olhar pode nos trazer.
Depois de cicatrizado, comecei a percebê-la fora da fantasia que lhe dera. Ela não tinha os olhos inocentes e aconchegantes, ela os fazia assim. Ela não cria no amor, ela corria sempre atrás de um novo. Percebi-me enganado. Suas redondas belas coxas me driblaram, o irrepreensível formato de seus braços me fez ninho sobre o fogo, enfim, perdi os pensamentos naquilo que via por fora, e só fui conhecer a parte de dentro quando olhava de longe o suficiente. Tão longe, que não me aproximaria mais, tão longe que me fez ver.
Quando muito tempo passado, já não tinha nenhuma admiração por essa garota. Óbvio, não negarei aqui a beleza daquele rosto que ensaiava sardas, se me dissessem pertencer a um anjo, não duvidaria. Mas voltando a não admiração, ela se tatuou, deu-se a homens mais velhos e com costumes estranhos, seguiu um caminho obscuro demais para que eu continuasse a olhá-la de longe. E assim acabou-se.
Hoje realmente a curiosidade me bate: como estará Camila?
Quem sabe o destino venha a me responder, mas visto que até já nada veio, continuemos. 

domingo, 3 de outubro de 2010

Pretensões e o início


Começo esta carta dizendo-te que espero, incertamente, que sirva como transporte dos meus sentimentos do dia de hoje: 21 de setembro de 1999; do lugar onde me encontro: cidade natal; para um futuro em teu coração. Provavelmente nunca a lerás, eu não terei primeiro a coragem, depois a ousadia e por fim sequer a vontade de levá-la a ti. Por mais que me doa devo admitir que, provavelmente, foste feliz com o companheiro que se obrigou a ter. Pior ainda, estou cônscio de que ele lhe é melhor do que eu jamais seria, mesmo sem conhecer o referido, conheço a mim e isto basta para a afirmação.
Pretensões expostas, comecemos então a ouvir o que diz a alma e não mais a cabeça. Tive-te muito em mim na juventude que passou. Já a havia um pouco na infância, mas na maturidade foi intenso, foi verdadeiramente angústia. Falar-te o que de mim havia mais profundo; dar-te saber o que a ninguém revelara o que a ninguém mais voltaria a revelar, posto que não seria mais o mesmo, posto que as essências  não seriam em mim as mesmas que eram quando contei-as a ti. Cabe servir a ti um pouco o ego: foste a mais bela das mulheres que me ocuparam o pensamento até o presente dia, foste a mais inteligente, foste a mais amiga e tenho certeza, independente da data em que se faça esta leitura, és a mais encantadora.
Quanto não sonhei com seus alvos braços sobre meus ombros deitados, com seu olhar de veludo sobre os meus olhos pedintes, com sua boca de avelã na mira incessante dos pensamentos que me sairiam como raios e me voltariam como estrelas. Estrelas sim, me levariam ao céu; se eu os tivesse tido, ah, quanto melhor teria sido meu existir naquela época.
Mesmo sem ter sido, valho-me da imaginação e te digo como foi nossa relação. Beijei-te a primeira vez sob uma lua inesquecível, jamais me verá nenhuma igual. Foi na noite em que me formava, você linda como o amor, branca como se a própria luz de ti emanasse, deslizando sobre um plano do qual jamais me esquecerei, via-te balançar, de um lado pro outro, sua cintura caminhava em minha direção como se não fosse parar até atingir-me o âmago. Parou. Vi  teus olhos. Beijei-te o rosto, com um afago de mão por detrás da cabeça a fim de fazer o momento durar mais, a fim de não deixá-la desgrudar de mim aquilo que me vinha. Esta noite serias minha! Conversamos de tudo quanto havia para se falar, meu pensar recaia somente nesses lábios macios que inda beijaria. Mas ao mesmo tempo ouvia-te como se ouve Jobim, sentia-me extasiado pela tua voz, te deixaria falar pela eternidade e a cada segundo me envolveria mais na tua narração. Sim, aquela noite foi mágica. Quando veio a dança juntei-te a mim e a colei, quis que fossemos um só corpo para que não mais nos separássemos, via em teus olhos o infinito: o infinito das possibilidades do amor, o infinito das possibilidades da vida, o infinito de mim.  Quando cessou o som arfei-lhe na audição que me seguisse, sob o luar, sobre aquele jardim, nunca fui mais apaixonado pela vida. Olhei a eternidade, vi as estrelas, senti-te ao meu lado. Não houve como me controlar simplesmente te enlacei com meus braços, você se aconchegou como se encontrasse o lar, aproximei-me do teu cálice da vida, suas nebulosas da face souberam me fazer encostar e finalmente, eis o nosso primeiro beijo: em baixo de um olhar que via a alma e um sentir que a superava.
 Dessa noite não vivida basta-te saber isso. Agora te narrarei o resto da vida que tivemos nos meus sonhos.