quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Contando o passado. Pt.3

 Cabe agora contar-lhe sobre Giuliana.
Esta linda mulher cabia exatamente no molde, que eu fizera aos 28 anos, da forma feminina perfeita. Tanto psicológica quanto fisicamente. Ela não era mais, nem menos.
A conheci graças a um primo meu que estudava com ela, Cielo. Eu costumava conversar longas conversas com Cielo sobre relacionamentos amorosos, nós pensávamos de maneiras muito parecidas. Ambos meio desiludidos, ambos ainda esperançosos.
Ocorre que numa dessas conversas Cielo, que cursava sua faculdade, me revelou estar apaixonado por uma colega de classe. Não, não lembrei do meu caso com Isabela, àquilo não se poderia chamar sequer paixão. Pois bem, nossas conversas corriam: ele me contava sobre como ela tinha o riso fácil; sobre como, mesmo em maus dias, seus olhos iluminavam tudo a seu redor; principalmente me contava como era simples e prazeroso conversar com aquela menina.
Sim ele a chamava de menina, costume que eu incorporei depois de conhecê-la. Não há como referir-se a tal criatura senão em termos que releguem à inocência, à infantilidade a mesma.
Depois de uns seis meses ouvindo ele falar sobre as virtudes de sua amada - que, diga-se de passagem, não dava sinal de interesse por ele – eu finalmente conversei com ela. Cielo acabou nos colocando na mesma janela de conversação na internet. Eis o momento em que pela primeira vez vislumbrei aquele rosto, mesmo que parado numa foto, que me seria tão adorado e por tanto tempo. Gostaria muito de me lembrar de como transcorreu aquela conversa, mas não lembro. Recordo-me apenas do teor puramente humorístico que teve, ela realmente tinha um riso fácil - não que eu pudesse ter absoluta certeza, tratava-se de internet.
Passamos a conversar constantemente, e na maioria das vezes sem o intermédio de Cielo. Apenas Giuliana, eu e seus sorrisos virtuais. Nesse tempo vim a saber que ela possuía um namorado, ou ex-namorado, ela mesma não deixava isso bem claro. Fato era que esse rapaz não a largava e chegou mesmo a me ameaçar – como a maioria das coisas no começo da minha relação com Giuliana – pela internet. Eu estava apenas interessado nela, mas à luz de uma ameaça algo saltou de mim. Aquele moço mal instruído, mal formado, que nascera em berço de ouro, pensava poder me inferir medo no alto de seus músculos inexistentes? Chegou a falar em armas, chegou a dizer que iria atrás de mim onde quer que fosse. Maldito infeliz, se havia um tipo de pessoa que eu conhecia muito bem era o dele: rico desde o nascimento, nunca chegou perto de livro algum e achava mandar no mundo. Mas o que mais me valia saber de seu tipo era justamente que nada faria. Se, por algum momento, eu achasse o risco realmente existia, talvez tivesse me afastado dela. Mas não, eu não me retrairia perante um pandego qualquer.
Pelo visto do que ocorreu, acho que Giuliana não pensava da mesma forma que eu.
- Não acho que vamos continuar conversando.
- ...
- Decidi voltar com o Rafael
(eis o nome do honorável)
- A escolha é sua. Mas diga a ele que se voltar a me procurar, não medirei esforços para que se arrependa e muito.
Desta conversa eu lembro. Eu não fiz essa ameaça realmente querendo que se realizasse, foi só para que ele não pensasse tê-la ganho por medo, sequer sei se chegou a seus ouvidos.
Muito tempo passou, eu não me ocupei a procurá-la, embora eu gostasse dela, não era o suficiente para abrir mão de minha dignidade, logo, não era muito. Num inesperado dia de setembro me vem a notícia, por um amigo que mantínhamos em comum – não era Cielo, eu me afastara um pouco dele, erro que corrigi tempos depois -, Giuliana queria me encontrar.
Cabe aqui dizer que durante todo o desenrolar da primeira parte de minha historia com ela, não havíamos nos visto uma vez sequer. Muito diferentemente desenvolveu-se a segunda parte.
Conversamos por 2 semanas e marcamos um encontro, eu não me lembro de ter ficado tão ansioso em nenhum outro momento da minha vida quanto naquela entrada da pizzaria Dois Irmãos, Guarulhos, São Paulo. Cheguei na praça que ficava defronte ao lugar do encontro e meu estomago pareceu contorcer-se até deixar de existir, minhas mãos ficaram geladas, o mundo pareceu se fechar e pela única fresta que restava eu via a entrada da pizzaria. Confesso que nunca também havia ficado tão surpreso comigo mesmo, impressionante o que um momento pode nos revelar. Aquilo seria amor? Tudo que eu vivera até então pareceu menor. Dói dizer isso, mas até mesmo você me saiu da lembrança.
Pois bem, entrei. Não houve surpresas além da incrível resistência que Giuliana conseguia fazer. Ela queria me beijar, ela se aproximava, quando de repente virava-se e ria-se. O notável é que eu ria junto e sinceramente. Para ambos aquilo estava tão consumado que não importava muito o beijo, já nos havíamos unido de alguma maneira. Percebi nessa noite que eu a conhecia melhor do que supunha, tudo me revelara nas conversas virtuais era tudo que ela era, e percebi também que enorme era a alegria que me traziam aqueles olhos que sorriam mesmo calados.
Creio que posso defini-la em três palavras: inocente, meiga e feliz. Extremamente feliz.
Embarcamos então em num relacionamento mais sério. Passados 2 meses chegou a formatura de Giuliana, cujas formalidades da entrega dos diplomas não contariam com Cielo por pura falta de interesse deste nas formalidades que cercavam a cerimônia. Eu já havia me reaproximado dele. Bom Cielo, revelou-se o melhor dos amigos, tanto para mim quanto para Giuliana. Ele foi comigo à festa. Puxei Giuliana para fora do salão, havia lá um largo campo verde com um arranjo de tendas, cadeiras e flores que creio eu serviria para algum casamento no dia seguinte. Independente do objetivo com que foi criado, o cenário era lindo. No céu a lua reluzia mais que o normal graças a ausência de estrelas, refletores sobre aquele gramado rodeavam-nos, mas sua luz não chegava ao lugar onde estávamos, cobertos da luz da lua e fora do alcance dos refletores encontramos um ponto cego. Ela em seu vestido branco que parava nos joelhos olhava a cena estupefata, e eu a olhava da mesma maneira. Aproveitei aquele momento, tirei do bolso o par de anéis que havia comprado e lhe mostrei, antes de qualquer palavra minha veio a resposta: sim.
Não, não era para noivado. Sim ela sabia que era para namoro. Mas convém deixar a nota de que se algum dia houve um momento perfeito, irrepreensível para um homem pedir a mão de uma mulher foi aquele.  
Acho que não seria interessante narrar os pormenores de cada encontro que tive com ela, tanto por você já conhecer alguns como por não lhe afetar em nada vir a saber dos outros. Deixarei aqui somente o que acho relevante dessa relação depois do dia do pedido. O dia da separação.
Como que sem motivo aparente, após parcos 5 meses de namoro, Giuliana afastou-se de mim. Não o corpo, mas a alma. Parecia que ela não me confiava mais suas aflições, seus problemas em casa talvez fossem os responsáveis; ela não buscava mais me encontrar como fazia anteriormente, talvez tivesse se cansado de secar seu mar de alegria no deserto de infelicidade que sempre me acompanhou na vida; ela não me olhava mais nos olhos. Eu não sabia bem os motivos, tudo que fazia era especular, mas o fato era visível: estávamos distantes. Então que pela primeira vez chorei por uma separação. Chorei antes de me separar, as lágrimas me vieram aos olhos no momento em que percebi que não havia mais volta. Aquele capítulo que fora tão bom deveria então acabar para que ambos os protagonistas seguissem seus caminhos e estes, possivelmente, nunca haveriam de se cruzar. Foi o que ocorreu.
Olhando de hoje, esse afastamento de Giuliana talvez tenha tido uma boa razão de ser: meu ciúme. Deus, como eu era ciumento. A queria como uma jóia e a tratava como tal, quem chegasse perto devia tomar muito cuidado pois o menor dos riscos no meu cristal, mesmo que causado por um simples olhar me deixava enfurecido. É, provavelmente foi minha a culpa da separação... Dói olhar para o passado e ver que poderia ter acertado em coisas tão simples que me teriam trazido tanta felicidade e nas quais errei por motivos mesquinhos. Que importava outros homens falarem com Giuliana se ela continuaria sendo minha? Que importava ela não me avisar de seus passos, se todos acabariam por conduzi-la a mim? Que importava minhas duvidas, se ela tinha certeza? Realmente, uma das coisas que mais me arrependo de ter destruído em vida foi a certeza de Giuliana.
Disse-lhe o último adeus assim como lhe disse o primeiro olá, pela internet. Ela retribuiu a gentileza e pareceu concordar que deveríamos mesmo seguir estradas separadas dali em diante. Engraçado como não senti nada quando disse esse adeus, minhas lágrimas haviam secado no choro antecipado e não voltaram a se formar no momento cabal.