sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lembrando um pouco

Devo agora deixar de falar sobre os amores que se foram. Devo falar do amor que ainda há, desenganado pelo tempo, mas sem a opção de cessar. Devo falar de nós dois.
Como consegui crescer junto de você e só ver nascer sentimentos quando você já estava apaixonada demais por outro homem, não sei. Tive tantas oportunidades de me aproximar quando te achava mais uma que não me recordo delas. Tive tão poucas chances de estar a seu lado depois de lhe estar amando, que sonho todas as noites com elas.
Recorda-se de quando fomos à praia? Litoral norte de São Paulo. Seu biquíni era azul. Tínhamos 12 anos e eu só me lembro de ter falado com você pra rebater as críticas que me veio fazer de minha música (a bem da verdade, de minha tentativa de música). Você me disse que eu cantava rápido demais e que a canção não era assim. Mas afinal o que poderia saber aquela menininha de ego inflado sobre tocar violão? Você foi embora antes de mim, seus tios tinham de trabalhar e a levaram. Não senti a menor falta.
Houve tantas vezes em que nos encontramos na casa de nossos tios que não posso relatá-las todas. Mas te faço lembrar de como eu já te achava linda, mesmo sem ainda te amar. Sempre que subia as escadas eu parava para olhar, como isso te deixava irritada era cômico e mais tarde, foi apaixonante. Dormimos um ao lado do outro também algumas vezes. Óbvio que não estávamos sós, mas ainda assim, era ao seu lado que eu cerrava os olhos. Meu Deus, se há arrependimento nessa vida que faz doer é aquele que se refere ao que deixamos de fazer, nunca ao que fizemos. Não fazer é morrer com a dúvida de como tudo poderia ter mudado; fazer e querer voltar atrás é, ao menos, saber do que se arrepende. Lembro-me de uma noite na qual nós dois conversamos um pouco mais de perto. Ficamos, pelo que me diz a memória, até as 5 da manhã trocando palavras inúteis. Não falamos de nada importante e quanto desejei que todas as noites da minha vida fossem assim, não conheço palavras para exprimir.
Outra coisa que está viva em meu pensamento é como eu lhe aporrinhava por causa de sua voz. Concordemos que ela era realmente estridente quando você ainda era menina. Concordemos que se fez muito bela, exclusivamente sua, quando virou mulher. Eu passei muitas noites desejando que essa voz me dissesse algo. Fosse ao telefone, fosse deitada a meu lado. O importante era que essa voz se preocupasse o suficiente comigo para que se gastasse a proferir-me qualquer som. Esse sonho foi distante.
Trocamos algumas cartas na adolescência, mas você já namorava seu amor de infância, o amor que você tomou para a vida. O resultado dessa combinação foi que quando eu subentendi em palavras o que realmente sentia por você, você recuou. A carta de resposta simplesmente não veio. Passaram meses até que voltássemos a conversar. Até que voltamos. Voltamos mas por cima, nunca havia tempo suficiente, não havia espaço suficiente para dois grandes amigos falarem tudo que tem a falar em caixas de mensagem de celulares. Não é assim que as relações deveriam acontecer. Deveríamos nos encontrar todos os dias e falar de tudo que quiséssemos, ao invés disso, tudo guardávamos e ficávamos no mais trivial. Esse é outro arrependimento.
Nunca tive a coragem de procurar-te em casa, acho que por saber que nisso haveria a possibilidade de um não definitivo, de um não que me diria para desistir do único amor que me interessava, da única força que me movia numa caminhada para lugar algum, numa caminhada que só faria sentido se um dia, viesse a lhe interessar, e lhe trouxesse para junto de mim. Essa negativa eu não aguentaria escutar, seria o fim. De medo do fim, chego finalmente a ele, cheio de coisas que deixei de fazer, cheio de amor que nunca lhe consegui dar.